Para falarmos da MP 998 devemos primeiramente entender o cenário em que o mercado de energia está inserido atualmente. Com o novo coronavírus nosso país entrou em estado de calamidade pública e para evitar um colapso das distribuidoras de energia com a significativa diminuição do consumo surgiu a Medida Provisória 950 de 8 de abril de 2020, originando a criação da Conta-Covid com o Decreto 10.350 de 18 de maio de 2020, que chegou ao valor de R$15,3 bilhões concedidos as distribuidoras.
A Conta-Covid deverá ser paga entre 2021 a 2025 pelas distribuidoras de energia e para tal, elas valorizarão, como de costume, a tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD) e a Tarifa de Energia (TE) com base em seus custos, resultando em enormes aumentos tarifários para os consumidores, principalmente do ambiente de contratação regulada (ACR), que pagarão além da tarifa de demanda, também a tarifa de energia.
A MP 998 determina uma cadeia de soluções durante o período de pagamento da Conta-Covid para atenuar o aumento tarifário.
A medida remaneja para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) 100% dos recursos disponibilizados não utilizados (R$3,4 bilhões) na área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do setor elétrico, além de até 30% do recurso anual (R$369 milhões) não comprometido em projetos nos próximos 5 anos, que será destinada a pagar 34% da Conta-Covid.
Ter todos os consumidores no Ambiente de Contratação Livre (ACL) é teoricamente o ideal para qualquer sociedade que possua um mercado de energia estruturado, o que ainda não é o nosso caso. Na realidade o aumento de consumidores especiais no ACL, restringidos a consumir das energias incentivadas com desconto de 50% ou 100% na TUSD, vem agravando outro problema. Os incentivos são pagos pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), representando sua segunda maior despesa e crescendo gradativamente, passando de R$1,7 bilhão em 2017 para R$3,2 bilhões em 2018 e R$3,3 bilhões em 2019.
Tendo em vista que quanto maior for a abertura do mercado, maior será o custo acumulado na CDE, a medida promove a alteração nos subsídios para as fontes renováveis de energia, estipulando até 01/09/2021 o prazo de outorga para novos empreendimentos geradores e 48 meses para se ter todas as máquinas em operação se quiserem manter os incentivos atuais. Enquanto isso o Ministério de Minas e Energia (MME) tem o mesmo prazo de um ano para elaborar novas maneiras de incentivar o crescimento do mercado e o consumo de energias renováveis.
O texto aprova emenda em relação as Pequenas Centrais Hidrelétricas, cujos novos empreendimentos permanecerão com 50% de subsídio pelos próximos 5 anos e posteriormente com redução do incentivo para 25%. Outro destaque foi a rejeição da emenda que proibia eventuais privatizações da usina nuclear de Angra 3.
A MP claramente tem como intuito preservar a base do mercado de energia, as distribuidoras. Para isso está disposta a criar uma série de soluções que não elucidam efetivamente nenhum dos problemas que entraram em seu caminho. As altas nas tarifas impulsionam significativamente a quantidade de migrações para o Mercado Livre de Energia, ocasionando abertura de um mercado frágil, desunido e despreparado para as diversas frentes que a tecnologia nos apresenta. A MP do consumidor atinge com êxito a exposição dos remendos da nossa estrutura, que ousa divulgar soluções desconhecidas, que permite os consumidores saírem como os “culpados” dos acontecimentos de 2020.
A medida agora caminha para o Senado Federal.