Contratos legados, um desafio para a abertura total do mercado livre de energia

No dia 31 janeiro de 2022 o mercado de energia no Brasil atravessou um grande marco, o fim do prazo estipulado pela Portaria nº 465/2019 para envio de estudos da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) sobre a abertura do mercado livre de energia para todos os consumidores. Ambos os estudos enviados ao Ministério de Minas e Energia (MME) indicam que a atual discussão é sobre “como” e “quando” realizar a abertura do mercado e não mais sobre sua viabilidade, que pode ser oficializada a partir de uma Portaria Normativa do MME. A expectativa é que seja aberta uma Consulta Pública sobre o tema até o final de março.

Um dos principais entraves para uma rápida abertura do ambiente de contratação livre para todos os consumidores são os contratos legados. O custo da nova capacidade de geração está cada vez mais baixo, aumentando a cada ano o gap entre o preço de uma nova usina e preço médio dos contratos existentes, que possuem fornecimento entre 15 e 30 anos com reajuste pelo índice IPCA. Estudo realizado pela PSR estimou no último ano que o preço para remunerar um investimento em eólica é de R$ 120/MWh, que é 50% inferior ao preço desta mesma eólica contratada em 2010 e 50% inferior ao preço do mix de contratos das distribuidoras. Portanto, a pergunta é “quem vai pagar a conta destes contratos legados?”.

Os mecanismos criados para auxiliar as distribuidoras, como o Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits (MCSD) e Mecanismos de Venda de Excedentes (MVE), não se tornaram efetivos em caso de redução da demanda, como em 2015-2016 e 2020-2021, onde todas as distribuidoras ficaram sobre contratadas e não puderam utilizar do MCSD para troca de energia. No caso do MVE, o problema é a não garantia de recuperação dos custos dos contratos legados, uma vez que o excedente é vendido a preço de mercado, que possui grande chance de estar abaixo do preço dos contratos legados, cuja média está acima de R$ 200/MWh.

A solução mais óbvia para os contratos legados seria aumentar o limite de sobre contratação das distribuidoras e alocar o custo no consumidor regulado remanescente. Porém, isso elevaria a tarifa, tornando ainda mais atrativa a migração para o ACL, aumentando a pressão para abrir o mercado e permitir que todos os consumidores tenham livre escolha pelo seu provedor de energia. No entanto, a migração de consumidores para o mercado livre cria risco de volume para as distribuidoras, com potenciais sobras de contratos não repassáveis às tarifas (limite de 105% do consumo). O custo dos contratos legados para a distribuidora é a diferença entre o preço do MWh definido no contrato original e o preço de mercado deste mesmo MWh multiplicado pelo montante de sobre contratação do mercado regulado causada pela migração destes consumidores para o mercado livre. Esta diferença pode ser positiva (custo), negativa (receita) e varia ao longo do tempo. Os “causadores” do custo são, em tese, os consumidores regulados para os quais a distribuidora compra seu fornecimento futuro e eleva a discussão sobre quem deve arcar com esses custos.  A opção de alocar apenas nos consumidores cativos que venham a migrar para o mercado livre pode tornar o benefício de sua migração inexistente (pois no total o consumidor vai pagar aproximadamente a mesma conta). Assim, a migração ocorreria apenas para o consumidor que está buscando um melhor serviço ou contratos customizados e para novos empreendimentos. Outra solução também discutida no setor elétrico, proposta originalmente pela Consulta Pública 33 do Ministério de Minas e Energia (MME) em 2017, e que consta no projeto de lei da modernização do setor elétrico (PLS 232/2016, atual PLS 414/2021) é a criação de um encargo setorial, que alocaria o custo dos legados entre todos os consumidores. Na Consulta Pública 33 a proposta permitia que o excesso residual de contratos das distribuidoras – depois de medidas para reduzi-lo, como redução das cotas, venda de excedentes etc. – fosse vendido ao mercado (pois este excesso possui valor e proporcionaria liquidez ao mercado), e que a diferença (positiva ou negativa) entre o preço de mercado e o preço original seja alocada a todos os consumidores através de um encargo de sobre contratação. Este encargo representaria o custo de transição para um ambiente liberalizado.
 
Essa solução é de mais simples implementação e evita a arbitragem de muitos consumidores migrarem ao mesmo tempo antes do regulamento.

Por: João Victor Bonora - Middle Office | Migratio Energia.

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