Enfim, o mercado de gás no Brasil e, particularmente no Estado de São Paulo, começa a sair do papel. Alguns fatores são claros indícios do seu potencial e vitalidade: a produção de biometano a partir de vinhaça de cana de açúcar; a demanda pelo insumo por parte de diversos setores industriais, como o cerâmico, por exemplo; o Mercado Livre de gás; a liquefação da molécula para facilitar o seu transporte nas estradas por distâncias de até mil quilômetros; e a pressão em prol de uma rápida transição energética no estado, em favor do biogás e do biometano. Todos esses foram aspectos tratados no  painel Biometano, Gás Natural e GNL do 3º Encontro Migratio de Energia e Gás (EMEG) – moderado por Paula Campos, sócia da Evolução Consultoria.

“É importante frisar que o mercado de biogás e de biometano nunca esteve tão aquecido”, afirmou Fábio Saldanha, sócio-diretor do Grupo Migratio. De acordo com o estudo Panorama do Biogás 2023, da CI Biogás Energias Renováveis, no ano passado, foram implantadas 338 novas plantas de produção de biometano no país (aumento de 32% em relação aos empreendimentos operacionais em 2022), totalizando 1.365 plantas de biogás (dez vezes mais do que em 2014). A produção, por sua vez, atingiu 728 milhões de Nm3, 21% acima do registrado em 2022.  

Para Carina Lopes Couto, superintendente de regulação de gás canalizado na Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), uma das participantes do painel sobre o tema no 3º EMEG, o Estado de São Paulo, em particular, é propício à exploração de biogás e de biometano em função da forte presença local do setor sucroalcooleiro. 

“O biogás pode ser produzido a partir da palha, da vinhaça e da torta de filtro, todos eles resíduos do processo industrial deste setor”, informou a superintendente. Ela lembrou que, para cada litro de etanol gerado, cerca de 12 litros de vinhaça são produzidos. E, se no passado esse resíduo era um problema, hoje, além de ser utilizado como adubo, ele é a porta para uma nova grande oportunidade. “A vinhaça, agora, passa a ser um ativo e um recurso importante para a geração de energia ou biocombustível”, frisou.

Para se ter uma ideia da grandeza do potencial paulista, dados da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo indicam que a safra de cana de açúcar de 2023/2024 obteve a expressiva colheita de 383,4 milhões de toneladas, processadas por um conjunto de 180 usinas sucroalcooleiras.

Tendo em vista este e outros dados, de acordo com os cálculos do governo local, São Paulo tem potencial para produzir mais de 30 milhões de metros cúbicos diários de biogás. E por isso mesmo, o mercado Livre de Gás ganha relevância localmente. Coube à Arsesp publicar, no dia 2 de janeiro de 2024, uma deliberação para seu uso e distribuição no estado. São Paulo também assinou um contrato de suprimento de biometano compreendendo 4% da demanda da região em sua rede de gás. É também nesse contexto que o governo estadual lançou, no início de setembro, a plataforma digital Conecta Biometano SP, para ligar representantes da cadeia de suprimentos do biometano e interessados em desenvolver projetos de descarbonização.

Interconexões com o grid

Mas o atual desafio do setor de biogás e biometano, explicou Carina, está mesmo é nas interconexões locais com o grid de gás no estado, que hoje soma 24 mil quilômetros de extensão. Contudo, a superintendente da Arsesp citou avanços concretos nesse sentido. Em 2023, o Parque de Bioenergia Costa Pinto, em Piracicaba, da Raízen, foi interconectado. “E, na semana passada, fechamos a interconexão com o aterro sanitário de Paulínia (SP), onde são captadas 4 mil toneladas/dia, as quais podem resultar em 205 mil metros cúbicos de gás por dia”, informou a dirigente. A inauguração é esperada para o 2º semestre de 2025.

São Paulo net zero

Outra Carina presente no painel, desta vez a   Dolabella, atual secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, tratou do tema do mercado de gás sob outro ângulo. “Em 2024, seremos responsáveis  por emitir 142 milhões de toneladas de CO2 equivalentes. E o nosso compromisso em São Paulo é chegar a net zero (estágio em que há uma neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa), já em 2050”, afirmou. “Contudo”, advertiu, “a questão é que, quanto mais limpa a matriz do estado for, mais difícil fica limpar o que sobrou.” É por isso, defendeu ela, que a adoção do biogás e do biometano em larga escala em São Paulo poderá contribuir de forma decisiva para se alcançar a meta, apesar de a matriz energética paulista já ser, em grande parte, renovável.

Base para a competitividade

Luís Quilici, diretor de Relacões  Institucionais e Governamentais da Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (Asparcer), ateve-se a outro aspecto do mercado do gás em sua apresentação no painel do 3º EMEG: ele abordou o Mercado Livre de gás. O dirigente ressaltou que a indústria cerâmica no estado tem a meta de consumir um milhão de metros cúbicos por dia de gás natural proveniente do Mercado Livre de gás até 2030. 

Ele explicou que um dos objetivos da indústria ceramista brasileira – da qual São Paulo é um polo, representando 64% das empresas do setor, é conquistar o mercado externo, onde sua penetração ainda é marginal. “A nossa meta é destinar 30% da nossa produção à exportação em 2030”, defendeu. Assim, um menor preço para os atuais 4,3 milhões de metros cúbicos dia de gás consumidos pelo setor – e que representam 30% dos custos da produção – serão fundamentais para alcançar a competitividade necessária no exterior. Caberá ao Mercado Livre de gás parte dessa missão. E ele já ganhou adeptos localmente. Quilici informou que seis empresas do setor já teriam migrado para o Mercado Livre de gás parcialmente. Outras são aguardadas a seguirem o exemplo.

Interiorização do gás

Álvaro Ferreira, responsável pela área de desenvolvimento de novos negócios da distribuidora de gás natural GNLink, frisou a importância da tecnologia para o transporte de gás. Segundo ele, o transporte deve ser o mesmo, independente da sua originação – seja ele de fonte fóssil, e biometano ou biogás. 

“Existimos para levar o gás onde ele ainda não chega. Estamos falando de projetos para transportar 2 milhões de metros cúbicos dia”, resumiu. Segundo Ferreira, o segredo dessa estratégia está baseado na adoção – em todo o país – de estações multimodais: que tratam tanto do GNC, do GNL como do biometano. “Acarreta que transporta os demais é a mesma para o biometano”, garantiu.

Para o executivo, o Brasil tem muitos poços de gás natural ainda não conectados à malha do gasoduto. “Temos de promover a interiorização do gás natural. Dar maior flexibilidade ao setor”, explicou. Segundo o representante da GNLink, com o processo de liquefação do gás, é possível transportá-lo a distâncias mais longas – como 700 a mil quilômetros.  “Quando o gás é liquefeito, de 24 mila 34 mil metros cúbicos se transformam em 7 mil”, exemplificou.

No radar federal

Para além do painel de gás, Fábio Saldanha, sócio-diretor do Grupo Migratio e organizador do 3º EMEG, ressalta o papel do governo federal em estímular  a oferta de gás natural e do biometano em todo o país, de forma a ampliar o uso do insumo seu uso e reduzir seu preço.  “Antes da divulgação conjunta da Política Nacional de Transição Energética e da resolução que reorienta a distribuição e comercialização do gás natural e do biometano, o governo já havia divulgado a resolução do Gás para Empregar e de outras que estimulavam o aumento da exploração e produção de gás”, relata.

Saldanha ressaltou ainda o fato de o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) ter instituído no ano passado o Grupo de Trabalho do Programa Gás para Empregar, que tem entre suas metas o aumento da oferta de gás natural da União no mercado doméstico. “São medidas concretas que demonstram a importância crescente do setor”, concluiu.

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